terça-feira, 18 de março de 2014

MILLÔR FERNANDES

Millôr Fernandes

POR FERNANDO REBOUÇAS
chargistas e jornalistas da imprensa brasileira do século XX. Millôr Fernandes
 iniciou sua carreira na revista O Cruzeiro, antes mesmo do veículo ser adquirido por Chateaubriand, quando se tornaria numa das mais importantes revistas da história do Brasil, Trabalhou em diversos jornais e revistas de grande relevância como a revista Veja, Jornal do Brasil, Jornal O Dia, Folha de São Paulo, entre outros trabalhos.
Carioca, nasceu no Meiér, em 23 de agosto de 1923, mas foi registrado em 27 de maio de 1924, órfão de pai no primeiro ano de vida, e órfão de mãe aos dez anos de idade, foi educado na casa dos tios até iniciar sua carreira ainda na adolescência. Autodidata, desenvolvia um humor expressado por meio de desenhos e pinturas despojadas; e textos criativos e avançados para o seu tempo.
Millôr se considerava um escritor sem estilo, conquistou a crítica e a opinião pública, e tratava seus editores de igual para igual. Iniciou no jornalismo em 1938, aos 15 anos de idade, no cargo de contínuo e repaginador de “O Cruzeiro”, retornaria à revista no ano de 1943, ao lado de Frederico Chateaubriand, quando criou a sua coluna “Pif-Paf” com textos e desenhos.
Em 1948, viajou para os EUA para conhecer Walt Disney, em suas próprias palavras:
“Nessa época eu ainda acreditava que Disney sabia desenhar. Só mais tarde, lendo sua biografia, aprendi que até aquela assinatura bacana com que ele autentica os desenhos é criação da equipe”.
Além de artigos e charges, se aventurou na dramaturgia escrevendo roteiros para o teatro e cinema. Em 1949, assinaria seu primeiro roteiro cinematográfico, “Modelo 19”, que recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo.
No período em que trabalhou na revista “O Cruzeiro” o veículo impresso obteve crescimento nas vendas de 11 mil exemplares para 750 mil. Realizou sua primeira exposição de desenhos em 1957, no Museu de Arte Moderna.
Em seus trabalhos exercidos na imprensa, sempre saía da empresa quando se sentia censurado pelos seus editores, sempre defendeu sua própria liberdade de criação, sendo um dos fundadores do antigo jornal “O Pasquim”.
Seu site oficial foi inaugurado no ano de 2000, obtendo grande audiência e premiações. Raro era o desenhista conceder entrevistas.
Esteve internado por cinco meses na Casa de Saúde São José no bairro de Botafogo. Faleceu no dia 27 de março de 2012, aos 88 anos de idade, após sofrer falência múltipla dos órgãos e parada cardíaca.
Fontes:
h

14 cronicas de millôr fernandes

Cronicas de Millôr Fernandes

Cerca de 14 cronicas de Millor Fernandes
Poesia Matemática
Às folhas tantas
do livro matemático
um Quociente apaixonou-se
um dia
doidamente
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do ápice à base
uma figura ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida
paralela à dela
até que se encontraram
no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética corresponde
a almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz
numa sexta potenciação
traçando
ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidiana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar
constituir um lar,
mais que um lar,
um perpendicular.
Convidaram para padrinhos
o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
sonhando com uma felicidade
integral e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes
até aquele dia
em que tudo vira afinal
monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
freqüentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo,
uma unidade.
Era o triângulo,
tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser
moralidade
como aliás em qualquer
sociedade.
Millôr Fernandes
Chapeuzinho Vermelho
Era uma vez (admitindo-se aqui o tempo como uma realidade palpável, estranho, portanto, à fantasia da história) uma menina, linda e um pouco tola, que se chamava Chapeuzinho Vermelho. (Esses nomes que se usam em substituição do nome próprio chamam-se alcunha ou vulgo). Chapeuzinho Vermelho costumava passear no bosque, colhendo Sinantias, monstruosidade botânica que consiste na soldadura anômala de duas flores vizinhas pelos invólucros ou pelos pecíolos, Mucambés ou Muçambas, planta medicinal da família das Caparidáceas, e brincando aqui e ali com uma Jurueba, da família dos Psitacídeos, que vivem em regiões justafluviais, ou seja, à margem dos rios. Chapeuzinho Vermelho andava, pois, na Floresta, quando lhe aparece um lobo, animal selvagem carnívoro do gênero cão e... (Um parêntesis para os nossos pequenos leitores — o lobo era, presumivelmente, uma figura inexistente criada pelo cérebro superexcitado de Chapeuzinho Vermelho. Tendo que andar na floresta sozinha, - natural seria que, volta e meia, sentindo-se indefesa, tivesse alucinações semelhantes.).

Chapeuzinho Vermelho foi detida pelo lobo que lhe disse: (Outro parêntesis; os animais jamais falaram. Fica explicado aqui que isso é um recurso de fantasia do autor e que o Lobo encarna os sentimentos cruéis do Homem. Esse princípio animista é ascentralíssimo e está em todo o folclore universal.) Disse o Lobo: "Onde vais, linda menina?" Respondeu Chapeuzinho Vermelho: "Vou levar estes doces à minha avozinha que está doente. Atravessarei dunas, montes, cabos, istmos e outros acidentes geográficos e deverei chegar lá às treze e trinta e cinco, ou seja, a uma hora e trinta e cinco minutos da tarde".

Ouvindo isso o Lobo saiu correndo, estimulado por desejos reprimidos (Freud: "Psychopathology Of Everiday Life", The Modern Library Inc. N.Y.). Chegando na casa da avozinha ele engoliu-a de uma vez — o que, segundo o conceito materialista de Marx indica uma intenção crítica do autor, estando oculta aí a idéia do capitalismo devorando o proletariado — e ficou esperando, deitado na cama, fantasiado com a roupa da avó.

Passaram-se quinze minutos (diagrama explicando o funcionamento do relógio e seu processo evolutivo através da História). Chapeuzinho Vermelho chegou e não percebeu que o lobo não era sua avó, porque sofria de astigmatismo convergente, que é uma perturbação visual oriunda da curvatura da córnea. Nem percebeu que a voz não era a da avó, porque sofria de Otite, inflamação do ouvido, nem reconheceu nas suas palavras, palavras cheias de má-fé masculina, porque afinal, eis o que ela era mesmo: esquizofrênica, débil mental e paranóica pequenas doenças que dão no cérebro, parte-súpero-anterior do encéfalo. (A tentativa muito comum da mulher ignorar a transformação do Homem é profusamente estudada por Kinsey em "Sexual Behavior in the Human Female". W. B. Saunders Company, Publishers.) Mas, para salvação de Chapeuzinho Vermelho, apareceram os lenhadores, mataram cuidadosamente o Lobo, depois de verificar a localização da avó através da Roentgenfotografia. E Chapeuzinho Vermelho viveu tranqüila 57 anos, que é a média da vida humana segundo Maltus, Thomas Robert, economista inglês nascido em 1766, em Rookew, pequena propriedade de seu pai, que foi grande amigo de Rousseau.

Extraído do livro "Lições de Um Ignorante", José Álvaro Editor - Rio de Janeiro, 1967, pág. 31
Millôr Fernandes
Poesia exploratória a você
Quem alisa meus cabelos?
Quem me tira o paletó?
Quem, à noite, antes do sono,
acarinha meu corpo cansado?
Quem cuida da minha roupa?
Quem me vê sempre nos sonhos?
Quem pensa que sou o rei desta pobre criação?
Quem nunca se aborrece de ouvir minha voz?
Quem paga meu cinema, seja de dia ou de noite?
Quem calça meus sapatos e acha meus pés tão lindos?
Eu mesmo.
Millôr Fernandes
O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional a quantidade de foda-se! que ela fala. Existe algo mais libertário do que o conceito do foda-se!? O foda-se! aumenta minha auto-estima, me torna uma pessoa melhor.
Reorganiza as coisas. Me liberta. Não quer sair comigo?

Então foda-se!. Vai querer decidir essa merda sozinho (a) mesmo? Então foda-se!. O direito ao foda-se! deveria estar assegurado na Constituição Federal.


Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para prover nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo fazendo sua língua. Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia.

Prá caralho, por exemplo. Qual expressão traduz melhor a idéia de muita quantidade do que Prá caralho? Prá caralho tende ao infinito, é quase uma expressão matemática. A Via-Láctea tem estrelas prá caralho, o Sol é quente prá caralho, o universo é antigo prá caralho, eu gosto de cerveja prá caralho, entende? No gênero do Prá caralho, mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso Nem fodendo!. O Não, não e não! e tampouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade Não, absolutamente não! o substituem.

O Nem fodendo é irretorquível, e liquida o assunto. Te libera, com a consciência tranqüila, para outras atividades de maior interesse em sua vida. Aquele filho pentelho de 17 anos te atormenta pedindo o carro pra ir surfar no litoral?
Não perca tempo nem paciência. Solte logo um definitivo Marquinhos presta atenção, filho querido, NEM FODENDO!. O impertinente se manca na hora e vai pro Shopping se encontrar com a turma numa boa e você fecha os olhos e volta a curtir o CD do Lupicinio.

Por sua vez, o porra nenhuma! atendeu tão plenamente as situações onde nosso ego exigia não só a definição de uma negação, mas também o justo escárnio contra descarados blefes, que hoje é totalmente impossível imaginar que possamos viver sem ele em nosso cotidiano profissional. Como comentar a gravata daquele chefe idiota senão com um PHD porra nenhuma!, ou ele redigiu aquele relatório sozinho porra nenhuma!. O porra nenhuma, como vocês podem ver, nos provê sensações de incrível bem estar interior. É como se estivéssemos fazendo a tardia e justa denúncia pública de um canalha.

São dessa mesma gênese os clássicos aspone, chepone, repone e mais recentemente, o prepone – presidente de porra nenhuma. Há outros palavrões igualmente clássicos. / Pense na sonoridade de um Puta-que-pariu!, ou seu correlato Puta-que-o-pariu!, falados assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba… Diante de uma notícia irritante qualquer puta-que-o-pariu! dito assim te coloca outra vez em seu eixo.

Seus neurônios têm o devido tempo e clima para se reorganizar e sacar a atitude que lhe permitirá dar um merecido troco ou o safar de maiores dores de cabeça.

E o que dizer de nosso famoso vai tomar no cu!? E sua maravilhosa e reforçadora derivação vai tomar no olho do seu cu!. Você já imaginou o bem que alguém faz a si próprio e aos seus uando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta: Chega! Vai tomar no olho do seu cu!.

Pronto, você retomou as rédeas de sua vida, sua auto-estima. Desabotoa a camisa e sai a rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.
E seria tremendamente injusto não registrar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: Fodeu!. E sua derivação mais avassaladora ainda: Fodeu de vez!. Você conhece definição mais exata, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusive, que uma vez proferida insere seu autor em todo um providencial contexto interior de alerta e autodefesa. Algo assim como quando você está dirigindo bêbado, sem documentos do carro e sem carteira de habilitação e ouve uma sirene de polícia atrás de você mandando você parar: O que você fala? Fodeu de vez!.

Liberdade, igualdade, fraternidade e foda-se …
Millôr Fernandes
Desculpe a meninada, mas fomos nós, da nossa geração, que conquistamos a permissividade. Claro, vocês não têm a menor idéia de como isso era antes. O que se fez, depois de nós, foi apenas atingir a promiscuidade, o ninguém é de ninguém, o não privilegiamento de nenhuma pessoa como ser humano especial (amor). Mas, quando qualquer um vai pra cama com qualquer um, sem nenhum interesse anterior ou posterior (no sentido cronológico!), uma coisa é certa reconquistamos apenas a animalidade. Cachorro faz igualzinho. E não procura psicanalista.
Millôr Fernandes
O Rei dos Animais
Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!".

Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?".

Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.

Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado".

MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.

Texto foi extraído do livro: "Fábulas Fabulosas", editado por José Álvaro - Rio de Janeiro, 1964, pág. 23.
Millôr Fernandes
A Viúva
Quando a amiga lhe apresentou o garotinho lindo dizendo que era seu filho mais novo, ela não pôde resistir e exclamou: " Mas como, seu marido não morreu há cinco anos?" "Sim, é verdade" — respondeu então a outra, cheia daquela compreensão, sabedoria e calor que fazem os seres humanos — "mas eu não".

MORAL: Não morre a passarada quando morre um pássaro.

Retirado do Livro "Fábulas Fabulosas", José Álvaro Editor - Rio de Janeiro, 1964, página 125.
Millôr Fernandes
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece"
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece"
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece"
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
"O coração tem imbecilidades que a estupidez desconhece."
Millôr Fernandes
"Que foi isso, de repente? Nada; dez anos se passaram. Não diga! Se somaram? Se perderam? Algumas relações se aprofundaram? Se esgarçaram? Onde estávamos? Onde estamos? E...aonde vamos? O tempo, em lugar nenhum e em silêncio, passa. É inegável - todos temos mais dez anos agora. Ainda bem, poderíamos ter menos dez. Tudo nos aconteceu. Amamos, disso temos certeza. E fomos amados - onde encontrar a certeza? Avançamos aqui materialmente, ali não, nos realizamos neste ponto, em outros queríamos mais, algumas coisas tivemos mais do que pretendíamos ou merecíamos - mas isso é difícil de reconhecer. Perdemos alguém - "Viver é perder amigos". No meio do feio e do amargo, no tumulto e no desgaste, tivemos mil diminutos de felicidade, no ar, no olhar, na palavra de afeto inesperado, que sei? Espera, eu sei. É a única lição que tenho a dar; a vida é pequena, breve, e perto. Muito perto - é preciso estar atento.
Millôr Fernandes
Porque as pessoas que amamos nos decepcionam?
Certa vez, li uma frase de Millôr Fernandes, que dizia: Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem. É exatamente isso! Convivemos, cotidianamente, com pessoas que não conhecemos. Julgávamos conhecer, nutríamos admiração e, de repente, descobrimos que tudo não passou de um engano. Nessa hora, deixamos aflorar os sentimentos mais sombrios que existem. Quanta decepção!

Não consigo entender como algumas pessoas possuem certa facilidade em ferir, magoar, ofender, rotular as outras. E o que é pior: agem pelo "instinto" e não se arrependem de tamanha maldade. Não percebem que agindo assim, transformam completamente o dia daquela pessoa, causando-lhe profunda dor e sofrimento. Que bom seria se praticássemos mais a linguagem do afeto, do carinho, do amor, para que não surgissem discussões que só trazem infelicidade, raiva ou conflito para ambas as partes.

Demorei uma vida inteira tentando aprender a "ler pessoas". Já me enganei, me decepcionei, inúmeras vezes... Criei expectativas demais, esperei demais delas e, infinitas vezes, elas simplesmente não corresponderam. Hoje, sou do tipo de pessoa que tem pouquíssimos amigos, mas os poucos que tenho são fieis e verdadeiros. Daquele tipo de amigo que me defende com unhas e dentes porque me conhecem verdadeiramente. Aceitam e respeitam meus defeitos e destacam minhas qualidades. Porque defeitos todos nós temos e apontar defeitos é muito fácil, difícil mesmo é reconhecer as qualidades do outro. E, mesmo com todas as decepções ao longo do caminho, posso afirmar que não excluo ninguém da minha vida, apenas reorganizo as posições e inverto as prioridades.

A gente aprende a amar, facilmente. Mas como deixar de amar, de gostar, de admirar? Deixar um sentimento verdadeiro para trás é tarefa árdua. A dor é inevitável. Mas essa ruptura, mais cedo ou mais tarde será necessária. Se você não se sente valorizado pelo outro, não vale a pena insistir na amizade, no relacionamento. É chegada a hora de se libertar. Refiro-me a liberdade de sentimentos. É possível sim, conviver com esse “tipo de gente” sem ter que se igualar a eles. Um primeiro passo seria assumir uma postura do tipo "eu me junto, mas não me misturo", e ter o cuidado de usar as palavras a seu favor, não como pedras que machucam, mas como afagos, procurando “abraçar” as pessoas ao seu redor através de suas palavras. Palavras dos sentimentos.

E para definir melhor esse meu momento “decepção”, nada melhor que deixar registrado aqui, as palavras dos sentimentos de uma grande mulher, que me acompanha há muito, muito, tempo.

“Não sei amar pela metade… Não sei viver de mentiras e nem sei voar de pés no chão… Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre… Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou sempre seguir meu coração… Não tentem me fazer ser quem não sou e não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente…” (Clarice Lispector)
Any Jacobina
Poeminha de Louvor ao "Strip-tease" Secular



Eu sou do tempo em que a mulher
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;

Mas foi na praia!


A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!



As fazendas
Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:

Quase nuas.

E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno

Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.


Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!
Millôr Fernandes
Música, divina música!
Tanto duvidaram dele, da teoria daquele jovem gênio musical, que ele resolveu provar pra si mesmo, empiricamente, a teoria de que não existem animais selvagens. Que os animais são tão ou mais sensíveis do que os seres humanos. E que são sensíveis sobretudo ao envolvimento da música, quando esta é competentemente interpretada.

Por isso, uma noite, esgueirou-se sozinho pra dentro do Jardim Zoológico da cidade e, silenciosamente, se aproximou da jaula dos orangotangos. Começou a tocar baixinho, bem suave, a sua magnífica flauta doce, ao mesmo tempo em que abria a porta da jaula. Os macacões quase que não pestanejaram. Se moveram devagarinho, fascinados, apenas pra se aproximar mais do músico e do som.

O músico continuou as volutas de sua fantasia musical enquanto abria a jaula dos leões. Os leões, também hipnotizados, foram saindo, pé ante pé, com o respeito que só têm os grandes aficionados da música. E assim a flauta continuou soando no meio da noite, mágica e sedutora, enquanto o gênio ia abrindo jaula após jaula e os animais o acompanhavam, definitivamente seduzidos, como ele previra.

Uma lua enorme, de prata e ouro, iluminava os jacarés, elefantes, cobras, onças, tudo quanto é animal de Deus ali reunido, envolvidos na sinfonia improvisada no meio das árvores. Até que o músico, sempre tocando, abriu a última jaula do último animal - um tigre.

Que, mal viu a porta aberta, saltou sobre ele, engolindo músico e música - e flauta doce de quebra. Os bichos todos deram um oh! de consternação. A onça, chocada, exprimiu o espanto e a revolta de todos:

- Mas, tigre, era um músico estupendo, uma música sublime! Por que você fez isso? E o tigre, colocando as patas em concha nas orelhas, perguntou:
- Ahn? O quê, o quê? Fala mais alto, pô!

MORAL: OS ANIMAIS TAMBÉM TÊM DEFICIÊNCIAS HUMANAS.
Millôr Fernandes
Assim, desajeitados,
Carinho ocasional
Sem projeto final
Nem sonhos à distância
Sem sombra ao sol,
Também sem ânsia,
Soneto (a meu modo e maneira)

Apenas companheiros de estrada
Ruas, valas, alguns quintais,
Dias, noites, noites e dias,
Sol e chuva ocasionais
Vamos.
Onde as paralelas se encontram,
Lá,
Nos separamos.
Millôr Fernandes
A imprensa brasileira sempre foi canalha. Eu acredito que se a imprensa brasileira fosse um pouco melhor poderia ter uma influência realmente maravilhosa sobre o País. Acho que uma das grandes culpadas das condições do País, mais do que as forças que o dominam politicamente, é nossa imprensa. Repito, apesar de toda a evolução, nossa imprensa é lamentavelmente ruim. E não quero falar da televisão, que já nasceu pusilânime

biografia de millôr fernandes

Millôr Fernandes

"Acreditar que não acreditamos
em nada é crer na crença do descrer".


"Millôr Fernandes nasceu. Todo o seu aprendizado, desde a mais remota infância. Só aos 13 anos de idade, partindo de onde estava. E também mais tarde, já homem formado. No jornalismo e nas artes gráficas, especialmente. Sempre, porém, recusou-se, ou como se diz por aí. Contudo, no campo teatral, tanto então quanto agora. Sem a menor sombra de dúvida. Em todos seus livros publicados vê-se a mesma tendência. Nunca, porém diante de reprimidos. De 78 a 89, janeiro a fevereiro. De frente ou de perfil, como percebeu assim que terminou seu curso secundário. Quando o conheceu em Lisboa, o ditador Salazar, o que não significa absolutamente nada. Um dia, depois de um longo programa de televisão, foi exatamente o contrário. Amigos e mesmo pessoas remotamente interessadas - sem temor nenhum. Onde e como, mas talvez, talvez — Millôr, porém, nunca. Isso para não falar em termos públicos. Mas, ao ser premiado, disse logo bem alto - e realmente não falou em vão. Entre todos os tradutores brasileiros. Como ninguém ignora. De resto, sempre, até o Dia a Dia”.

("Currículo" publicado por Millôr quando de sua estréia no jornal "O Dia", Rio (RJ).

Considerado "um dos poucos escritores universais que possuímos", na opinião do crítico Fausto Cunha, filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no dia 16 de agosto de 1923 no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, com o nome de Milton Viola Fernandes. Só seria registrado no ano seguinte, tendo como data oficial de nascimento o dia 27 de maio de 1924. Sua certidão de nascimento, grafada à mão, fazia crer que seu nome era Millôr e não Milton. Seu pai, engenheiro emigrante da Espanha, morre em 1925, com apenas 36 anos. A família começa a passar por dificuldades e sua mãe passa horas em frente a uma máquina de costura para poder sustentar os 4 filhos. Apesar do aperto, o autor teve uma infância feliz, ao lado de 10 tios, 42 primos e primas e da avó italiana D. Concetta de Napole Viola.

Estuda na Escola Ennes de Souza, de 1931 a 1935, por ele chamada de Universidade do Meyer, mas que na verdade era uma escola pública. Diz dever tudo o que sabe a sua professora, Isabel Mendes, depois diretora e hoje nome da escola. Se emociona ao falar sobre ela "...uma mulatinha magra e devotada, que me ensinou tudo que se deve aprender de um professor ou de uma escola: a gostar de estudar. Depois disso, pode-se ser autodidata. Escola, a não ser para campos técnicos/experimentais, é praticamente inútil".

A chegada ao Brasil das histórias em quadrinhos, em 1934, faz de Millôr um leitor assíduo dessas publicações, em especial de Flash Gordon, de autoria de Alex Raymond, e, com isso, dar vazão à sua criatividade. Sob a influência de seu tio Antônio Viola, tem seu primeiro trabalho publicado em um órgão da imprensa — "O Jornal", do Rio de Janeiro, tendo recebido o pagamento de 10 mil reis por ele. Era o início do profissionalismo, adotado e defendido para sempre.

Em 1935, também com 36 anos, falece sua mãe, o que faz com que os irmãos Fernandes passem a levar uma vida dificílima. Essa coincidência de datas leva Millôr a escrever um conto, "Agonia", publicado na revista "Cigarra" em janeiro de 1947, onde afirmava: "Tenho dia e hora marcada para me ir e o acontecimento se dará por volta de 1959". A morte da mãe o leva a morar em Terra Nova, subúrbio próximo ao Méier, com o tio materno Francisco, sua mulher Maria e quatro filhos.

Trabalha, em 1938, com o Dr. Luiz Gonzaga da Cruz Magalhães Pinto, entregando o remédio para os rins "Urokava" em farmácias e drogarias. Durou pouco esse emprego. Logo vai ser contínuo, repaginador, factótum, na pequena revista "O Cruzeiro", que nessa época tinha, além de Millôr, mais dois funcionários: um diretor e um paginador. A revista, anos depois, chegou a vender mais de 750.000 exemplares. Com o pseudônimo "Notlim" ganha um concurso de crônicas promovido pela revista "A Cigarra". Com isso, é promovido e passa a trabalhar no arquivo.

O cancelamento de publicidade em quatro páginas de "A Cigarra" fez com que fosse chamado por Frederico Chateaubriand para preencher as páginas que ficaram em branco. Cria, então, o "Poste Escrito", onde assinava-se Vão Gôgo. O sucesso da seção faz com que ela passe a ser fixa. Com o mesmo pseudônimo, começa a escrever uma coluna no "Diário da Noite". Assume a direção de "A Cigarra", cargo que ocuparia por três anos. Dirigiu também "O Guri", revista em quadrinhos e "Detetive", que publicava contos policiais.

Ciente da necessidade de se aprimorar, estuda no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro de 1938 a 1943.

Em 1940, muda-se para o bairro da Lapa, centro da cidade, e passa a morar próximo a Alceu Pena, seu colega em "O Cruzeiro". Colabora na seção "As garotas do Alceu" como colorista e versejador.

Autodidata, faz sua primeira tradução literária: "Dragon seed", romance da americana Pearl S. Buck, com o título "A estirpe do dragão", em 1942.

No ano seguinte retorna, com Frederico Chateaubriand e Péricles, à revista "O Cruzeiro". Em dez anos, a tiragem foi um grande êxito editorial, passando de 11 mil para mais de 750 mil exemplares semanais.

Em 1945, inicia a publicação de seus trabalhos na revista "O Cruzeiro", na seção "O Pif-Paf", sob o pseudônimo de Vão Gôgo e com desenhos de Péricles.

No ano seguinte lança "Eva sem costela — Um livro em defesa do homem", sob o pseudônimo de Adão Júnior.

Sua colaboração para "O Cruzeiro", em 1947, atinge a marca de dez seções por semana.

Em 1948 viaja aos Estados Unidos, onde encontra-se com Walt Disney, Vinicius de Moraes, o cientista César Lates e a estrela Carmen Miranda. Casa-se com Wanda Rubino.

Publica "Tempo e Contratempo", com o pseudônimo de Emmanuel Vão Gôgo, em 1949. Assina seu primeiro roteiro cinematográfico, "Modelo 19". O filme, lançado com o título "O amanhã será melhor", ganha cinco prêmios Governador do Estado de São Paulo. Millôr é agraciado com o de melhores diálogos.

Em 1951, na companhia de Fernando Sabino, viaja de carro pelo Brasil, durante 45 dias. Lança a revista semanal "Voga", que teve apenas cinco números.

Viaja pela Europa por quatro meses, em 1952.

"Uma mulher em três atos", sua primeira peça, estréia no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo (SP), em 1953.

No ano seguinte, compra o imóvel que se tornaria famoso — "a cobertura do Millôr", no bairro de Ipanema, onde o escritor até hoje vive. Nasce seu filho Ivan.

Em 1955, divide com o desenhista norte-americano Saul Steinberg o primeiro lugar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, Argentina. Escreve “Do tamanho de um defunto”, que estreou no Teatro de Bolso (Rio) e, depois, adaptado pelo próprio autor para o cinema, tendo o filme o título de “Ladrão em noite de chuva”. Nesse ano escreve “Bonito como um deus”, que estréia no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo (SP), e ainda “Um elefante no caos” e “Pigmaleoa”.

Em 1956, Millôr passa a ilustrar todos os seus textos publicados na revista "O Cruzeiro".

No ano de 1957, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro recebe exposição individual do biografado. Realiza a cenografia de “As guerras do alecrim e da manjerona”. Esse trabalho foi premiado pelo Serviço Nacional de Teatro no ano de 1958.

Nesse ano, conclui a primeira tradução teatral: “Good people”, então intitulada “A fábula de Brooklin — Gente como nós”. Fez parte do grupo que "implantou" o frescobol no posto 9, Ipanema, Rio de Janeiro.

Escreve o roteiro de “Marafa”, a partir do romance homônimo de Marques Rebello. Em 1959. No mesmo ano, apresenta na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, a convite de Frederico Chateaubriand, uma série de programas intitulada “Universidade do Méier”, na qual desenhava enquanto fazia comentários. Posteriormente, o programa foi transferido para a TV Tupi do Rio de Janeiro, com o título de “Treze lições de um ignorante” e suspenso por ordem do governo Juscelino Kubitschek após uma crítica à primeira dama do país: Disse Millôr: "Dona Sarah Kubitschek chegou ontem ao Brasil depois de 5 meses de viagem à Europa e foi condecorada com a Ordem do Mérito do Trabalho." Nasce sua filha, Paula.

Nos anos seguintes, já integrado à intelectualidade carioca, convive com Péricles, criador de "O Amigo da Onça", Nelson Rodrigues, David Nasser, Jean Manson, Alfredo Machado, Fernando Chateaubriand, Emil Farhat e Accioly Netto, entre outros.

Em 1960, depois de resolvidos os problemas com a censura, estréia no Teatro da Praça, no Rio, ”Um elefante no caos”. O título original da peça era “Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país” rendeu a Millôr o prêmio de “Melhor Autor” da Comissão Municipal de Teatro. O filme “Amor para três”, com roteiro do biografado, baseado em “Divórcio para três”, de Victorien Sardou, é dirigido por Carlos Hugo Christensen. Millôr colaboraria com esse diretor em mais três filmes: “Esse Rio que eu amo”, 1962, Crônica da cidade amada”, 1965, e O menino e o vento, 1967.

Expõe, em 1961, desenhos na Petit Galerie, no Rio. Viaja ao Egito e retorna antes do previsto, tendo em vista a renúncia do presidente Jânio Quadros. Trabalha por 7 dias no jornal "Tribuna da Imprensa", Rio, que mais tarde pertenceu a seu irmão Hélio Fernandes. Foi demitido por ter escrito um artigo sobre a corrupção na imprensa. Os editores, o poeta Mário Faustino e o jornalista Paulo Francis pediram também demissão em solidariedade.

No ano seguinte, na edição de 10 de março de “O Cruzeiro”, “demite” Vão Gôgo e passa a assinar Millôr. A Amstutz & Herder Graphic Press, importante publicação de Zurique, dedica uma página de seu anuário ao autor. “Pigmaleoa” é apresentada, sob a direção de Adolfo Celi, no Teatro Rio.

Em 1963, escreve a peça teatral “Flávia, cabeça, tronco e membros”. Viaja a Portugal e, durante sua ausência, a revista “O Cruzeiro” publica editorial no qual se isenta de responsabilidade pela publicação de “História do Paraíso”, que obteve repercussão negativa por parte dos leitores católicos da revista. Millôr deixa a revista e começa a trabalhar no jornal “Correio da Manhã”, lá ficando até o ano seguinte.

A partir de 1964, e até 1974, colabora semanalmente no jornal Diário Popular, de Portugal. A página mereceria o seguinte comentário de um ministro de Salazar: "Este tem piada, pena que escreva tão mal o português". Lança a revista “Pif-Paf”, considerada o início da imprensa alternativa no Brasil. Foi fechada em seu oitavo número, por problemas financeiros.

Volta à TV, em 1965, como apresentador na TV Record, ao lado de Luis Jatobá e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), do “Jornal de Vanguarda”. “Liberdade liberdade” estréia no Teatro Opinião, no Rio, musical escrito em parceria com Flávio Rangel.

Composta pelo biografado, a canção “O homem” é defendida no II Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, por Nara Leão, em 1966. Monta, ao ar livre, no Largo do Boticário, Rio, só com atores negros, sua adaptação de “Memórias de um sargento de milícias”.

Em 1968 atua, ao lado de Elizeth Cardoso e do Zimbo Trio, em “Do fundo do azul do mundo”, espetáculo musical de sua autoria. Passa a colaborar com a revista “Veja”.

Na sua estréia, apresentou-se com o texto que abaixo reproduzimos parcialmente:
SUPERMERCADO MILLÔR
ANO I - N.º 1
(Autobiografia De Mim Mesmo À Maneira De Mim Próprio)
"E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras — reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada. Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.”

”... Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela....Aos quinze (anos) já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Venho, em linha reta, de espanhóis e italianos. Dos espanhóis herdei a natural tentação do bravado, que já me levou a procurar colorir a vida com outras cores: céu feito de conhas de metal roxo e abóbora, mar todo vermelho, e mulheres azuis, verdes ciclames. Dos italianos que, tradicionalmente, dão para engraxates ou artistas, eu consegui conciliar as duas qualidades, emprestando um brilho novo ao humor nativo. Posso dizer que todo o País já riu de mim, embora poucos tenham rido do que é meu.”

”Sou um crente, pois creio firmemente na descrença. ...Creio que a terra é chata. Procuro não sê-lo. ...Tudo o que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos.”

”A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar.”·

Ainda em 1968 escreve o texto do show “Momento 68”, promovido pela empresa Rhodia, que contou com a participação de Caetano Veloso, Walmor Chagas e Lennie Dale, entre outros.

No ano seguinte, participa do grupo fundador de “O Pasquim”.

Fernanda Montenegro estrela “Computa, computador, computa”, no Teatro Santa Rosa, no Rio, em 1972. Lança o livro “Esta é a verdadeira história do Paraíso” e também “Trinta anos de mim mesmo”, numa sessão de autógrafos denominada “Noite da contra-incultura”.

Em 1975, faz exposição de 25 quadros “em branco, mas com significado”, na Galeria Grafitti, no Rio.

No ano seguinte, escreve para Fernanda Montenegro a peça “É...”, que se tornou o grande sucesso teatral de Millôr ao ser encenada no Teatro Maison de France, no Rio.

Em 1977, realiza nova exposição de seus trabalhos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Adapta, no ano seguinte, para o formato de musical a peça “Deus lhe pague”, de Joracy Camargo, que contou com Bibi Ferreira na direção e com músicas de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. É homenageado pelo 5º Salão de Humor de Piracicaba (SP), mas “exige” que a honraria seja “para todos os humoristas na pessoa de Millôr Fernandes”. Em Brasília, para o Museu da Moeda, localizado no Banco Central do Brasil, produz quatro painéis que contam a
história do dinheiro.

Estréia no Teatro dos Quatro, Rio, a peça “Os órfãos de Jânio”, em 1980.

Publica “Desenhos”, uma compilação de seus trabalhos gráficos, com textos de apresentação de Pietro Maria Bardi e Antônio Houaiss, em 1981.

O ano de 1982 é de muito trabalho. O autor escreve e publica a peça “Duas tábuas e uma paixão”. Traduz a opereta “A viúva alegre”, de Franz Lear, apresentada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Tetê Medina monta “A eterna luta entre o homem e a mulher”, no Teatro Clara Nunes – Rio. Escreve a adaptação de “A chorus line”, encenado por Walter Clark. Estréia “Vidigal: Memórias de um sargento de milícias”. São dele, nessa peça, os cenários, figurinos e letras, musicadas por Carlos Lyra. Com Flávio Rangel, escreve e representa o espetáculo “O gesto, a festa, a mensagem”, na TV Record de São Paulo. Deixa a revista “Veja”.

Em 1983, é homenageado pela Escola de Samba Acadêmicos do Sossego, de Niterói (RJ). Millôr não comparece ao desfile. Passa a colaborar com a revista “Istoé”.

Lança “Poemas”, em 1984. Estréia o musical “O MPB4 e o dr. Çobral vão em busca do mal”.

No ano seguinte, colabora com o Jornal do Brasil. Lança o “Diário da Nova República”. É montada a peça “Flávia, cabeça, tronco e membros” no Teatro Ginástico – Rio.

Passa a usar o computador para escrever e desenhar, em 1986. Escreve, com Geraldo Carneiro e Gilvan Pereira, o roteiro do filme “O judeu”, dirigido por Jom Tob Azulay, baseado na vida de António José da Silva. Rodado em Portugal, só seria concluído em 1995.

”L’anné 82 au Brésil: le regard critique de Millôr Fernandes” (O ano de 82 no Brasil: o olhar crítico de Millôr Fernandes), é o tema de tese de doutoramento de Françoise Duprat na Universidade de Toulouse-Le Mirail II, França, em 1987.

No ano seguinte, lança “The cow went to the swamp / A vaca foi para o brejo”. Na Universidade de São Paulo (USP), Branca Granatic defende, na dissertação de mestrado, “Os recursos humorísticos de Millôr Fernandes”.

Em 1990, nasce seu neto, Gabriel, filho de Ivan.

Deixa a revista “Istoé” e o Jornal do Brasil, em 1992.

No ano de 1994, lança “Millôr definitivo — A bíblia do caos”.

Escreve a peça “Kaos”, Adapta para a Rede Globo “Memórias de um sargento de milícias”. A partir de um argumento de Walter Salles, escreve o roteiro “Últimos diálogos”, em 1995.

Em 1996, passa a colaborar nos jornais “O Dia” (RJ), “O Estado de São Paulo” (SP) e “Correio Braziliense” (DF). Neste último, trabalharia somente até o fim do ano.

Em 1998, em parceria com Geraldo Carneiro e Jom Tob Azulay, assina o roteiro de “Mátria”.

No ano seguinte, começa a adaptar “Os três mosqueteiros”, de Dumas, para o formato de musical, trabalho que não chegou a ser concluído.

Em 2000, escreve o roteiro de “Brasil! Outros 500 — Uma PoopÓpera”, que teve sua estréia no Teatro Municipal de São Paulo. O espetáculo contava com músicas de Toquinho e Paulo César Pinheiro e arranjos de Wagner Tiso. Deixa de colaborar com “O Estado de São Paulo” e “O Dia”. Passa a colaborar com coluna semanal na “Folha de São Paulo”. Lança o site “Millôr On Line” (http://www.millor.com.br) .

No ano seguinte, deixa a “Folha de São Paulo” e volta ao “Jornal do Brasil”.

Em 2002, publica “Crítica da razão impura ou O primado da ignorância”, em que analisa as obras “Brejal dos Guajas e outras histórias”, de José Sarney, e “Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso. Deixa de colaborar, em novembro, com o “Jornal do Brasil”.

Em 2003, ilustra “O menino”, volume de contos de João Uchoa Cavalcanti Netto, e faz cem desenhos para uma nova compilação das “Fábulas fabulosas”.

Em 2004, lança pela Editora Record, “Apresentações”.

Em meados de agosto de 2004 é anunciado seu retorno às folhas da revista semanal “Veja”, a partir de setembro daquele ano.

Tempos atrás um jornal publicou que Millôr estava todo cheio de si por ter recebido, em sua casa, uma carta de um leitor com o seguinte endereçamento:

"Millôr
Ipanema"

É a glória!

Millôr faleceu no dia 27 de março de 2012, em casa, no bairro de Ipanema, zona sul do Rio de Janeiro.

as cronicas de millor fernandes




BiografiaMilton Viola Fernandes, Millôr (Rio de Janeiro RJ 1923¹ - idem 2012). Cartunista, jornalista, cronista, dramaturgo, roteirista, tradutor e poeta. Órfão de pai aos 2 anos e de mãe aos 11, desde muito cedo começa a trabalhar. Em 1938, aos 15, emprega-se na revista O Cruzeiro como contínuo, passando a trabalhar no arquivo da publicação após vencer um concurso de contos de outra revista, A Cigarra - para a qual colabora a partir do ano seguinte, assinando, com o pseudônimo Vão Gôgo, uma coluna fixa. Retorna a O Cruzeiro em 1943, participando da renovação editorial, que eleva a circulação da revista de 11 mil para 750 mil exemplares semanais. Nessa publicação, Vão Gôgo tem a seção O Pif Paf - que em 1964 dá título à revista quinzenal considerada o início oficial da imprensa alternativa no Brasil, devido à oposição ao regime militar. Essa revista é, por isso, fechada pelo governo no oitavo número. Seu primeiro livro, Eva sem Costela - Um Livro em Defesa do Homem, é lançado, com o pseudônimo Adão Júnior, em 1946. E a primeira peça, Uma Mulher em Três Atos, é encenada em 1953, pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), em São Paulo. Tendo já utilizado o próprio nome como autor de teatro, passa a assinar sua coluna em O Cruzeiro como Millôr Fernandes, em 1962. Participa, em 1969, do grupo fundador de O Pasquim, semanário que se torna o porta-voz da oposição ao regime militar. Como cartunista, colabora nos principais órgãos da imprensa brasileira; como cronista, tem mais de 40 títulos publicados; como dramaturgo, alcança sucesso com Liberdade, Liberdade (1965), em parceria com Flávio Rangel (1934 - 1988), Computa, Computador, Computa (1972) e É... (1977). Atua ainda como artista gráfico, expondo trabalhos em várias galerias de arte do Rio de Janeiro e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ). Entre as adaptações que realiza para o teatro, destacam-se a versão musical do romance Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida (1831 - 1861), encenada por atores negros em 1966, e da peça Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo (1898 - 1973), encenada no Rio de Janeiro com músicas de Edu Lobo (1943) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980). É um dos mais solicitados tradutores de teatro do Brasil.
Comentário CríticoEm crônicas, peças teatrais e poemas, Millôr Fernandes vale-se do humor com o objetivo de criticar a forma como o poder se organiza e a maneira naturalizada como as relações de dominação são percebidas pela sociedade. O meio privilegiado para isso é a recriação de usos cotidianos da linguagem, para que o distanciamento provoque no leitor a reflexão sobre situações normalmente banalizadas.
Em O Capitalismo Mais Reacionário, crônica de 1945, o autor apresenta um breve diálogo entre Patrão e Empregado. Este, decidido a "falar seriamente" com o Patrão, diz-lhe que em 40 anos de empresa comete apenas um erro. Em vez de reconhecer o trabalho do funcionário, Patrão lhe responde: "... de agora em diante tome mais cuidado". O humor se dá, aqui, pelo exagero no traço dominador do empregador, sempre disposto a exigir mais e mais dos trabalhadores.
O uso do hiperbólico é frequente nas crônicas do autor, bem como a paródia de linguagens técnicas ou especializadas. Este é o caso de Poesia Matemática, de 1949, em que o personagem Quociente se apaixona por Incógnita. O amor à primeira vista conduz ao casamento, que depois é ameaçado pela chegada do Máximo Divisor Comum e a consequente instalação de um triângulo amoroso. O narrador conclui: "Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade / E tudo que era espúrio passou a ser / Moralidade / Como, aliás, em qualquer / Sociedade".
A transformação do convencional em situações aparentemente absurdas se faz presente em diversos momentos da obra de Millôr. A educação das crianças, por exemplo, é satirizada em O Filho Prodígio (de Lições de um Ignorante, 1963), com base em discurso de um menino. Ao cair de uma árvore e diante do desespero da mãe, ele diz: "Espero que isto me sirva de lição". Ao receber dinheiro do pai para comprar livros, afirma: "Na minha idade o senhor já ganhava a vida sozinho". Emissor e receptor trocam de papéis nessa paródia dos estereótipos, retratando as formas cristalizadas da relação entre pais e filhos.
O universo infantil, com seu ponto de vista que gera típicas deformações na linguagem, é especialmente caro ao autor, em textos cujo efeito cômico e satírico põe em evidência fatores dificilmente apreendidos pela percepção usual. Compozissõis Imfãtis, de 1975, arrola tipos como o garoto violento, o menino estudioso e a professora por quem todos se apaixonam, ironizando a visão idílica dos primeiros anos de vida ao apontar os sofrimentos implicados em toda relação.
O cerne daquilo que o autor deseja evidenciar e atacar torna-se patente em um breve trecho de A História É uma História, texto dramático levado ao palco em 1976. O enredo, que abarca toda a história da humanidade - desde a criação do universo até a década de 1970 -, compõe-se a partir da afirmação de sua própria arbitrariedade: "Os personagens históricos [...] são todos inventados", e os elementos de cena, "de mentira". Sugere-se, consequentemente, a arbitrariedade na forma como a história é transmitida. Ao narrar a invenção da roda, um personagem afirma: "Que interessa uma roda rodando? A ideia verdadeiramente genial foi a de colocar uma carga em cima da roda e, na frente dela, puxando a carga e a roda, um homem pobre". Nega-se, com isso, que a invenção por si só represente desenvolvimento, indicando que os considerados avanços da humanidade têm como força motriz, na realidade, a dominação do homem pelo homem.
Se nas crônicas os recursos tradicionais se combinam com elementos de vanguarda, na produção para o teatro a mescla se dá entre a paródia e o lirismo, o farsesco e a documentação histórica, a comédia de costumes e a denúncia social. Seja nas peças militantes - como Liberdade, Liberdade (1965), mais interessadas em apontar os efeitos do autoritarismo sobre o indivíduo -, seja em outras que, como Duas Tábuas e uma Paixão (1982), investem contra o estereótipo do teatro social, o dramaturgo está sempre a propor que os espectadores rompam com as visões de mundo cristalizadas.
No que diz respeito aos recursos linguísticos, Millôr emprega procedimentos clássicos para a obtenção do humor. Trocadilhos, eufemismos, antíteses, ambiguidades e duplo sentido das palavras são explorados com frequência, compondo frases sintéticas, que condensam o pensamento do autor. A respeito da política brasileira, afirma: "Nas noites de Brasília, cheias de mordomia, todos os gastos são pardos", em que "gastos" substitui os "gatos" do provérbio. Outras máximas invertem lugares-comuns, como "um desses livros que quando você larga não consegue mais pegar", ou esvaziam o sentido metafórico de pensamentos populares: "Entre o riso e a lágrima quase sempre há apenas o nariz". Há, ainda, seus conhecidos dicionários, em que se operam modificações no sentido das palavras ou se criam vocábulos a partir de sutis deslocamentos. É o caso, por exemplo, de "comichão", aquele que "devora terra"; "destroços", "uma dezena de coisas"; "desabrotoar", "desabotoar um broto"; "caligrafeia", "letra ruim".
Nos diferentes gêneros praticados pelo autor, seu programa está sempre conforme ao que afirma no artigo Pensadores Humoristas: "O riso explode, à primeira vista, quando uma grande verdade social é denunciada de maneira clara e comunicativa".